Não Existe Almoço Grátis: Juros Alto, Risco e o Câmbio Brasileiro
Prof. Sinézio Fernandes Maia
15/12/2025 – 9h00
O Período entre meados de novembro e dezembro de 2025 foi marcado por um rearranjo importante no mercado cambial, fortemente condicionado pelo diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos. Enquanto o Federal Reserve iniciou um ciclo de afrouxamento monetário e o dólar perdeu força no cenário global, o Banco Central do Brasil manteve a Selic em patamar elevado, adotando uma comunicação firme e cautelosa. Esse contraste reforçou o fluxo de capitais para ativos domésticos, sustentando o real e reativando estratégias clássicas de carry trade. A apreciação cambial passou a atuar como vetor auxiliar do processo desinflacionário, especialmente sobre preços de bens comercializáveis e combustíveis. Contudo, o fortalecimento do real não veio sem custos: juros elevados comprimem o crédito, afetam a atividade econômica e ampliam o serviço da dívida publica, reacendendo o debate fiscal. As análises do Banco Central, da FGV e dos principais veículos de imprensa convergem para um ponto central: o diferencial de juros tem sido decisivo, mas não é autossuficiente. A sustentabilidade do câmbio depende, cada vez mais, da percepção de risco fiscal e da credibilidade da política econômica. O Dilema está posto: até que ponto o Brasil pode ancorar sua estabilidade cambial em juros elevados sem comprometer o crescimento e a solvência futura?
No período o diferencial de juros entre o Brasil e Estados Unidos permaneceu elevado, com a Selic mantida em 15% ao ano, enquanto a taxa dos Fed Funds situou-se entre 3,50% e 3,75%. Esse diferencial superior a 11 pontos percentuais reforçou a atratividade de ativos domésticos e sustentou estratégias de carry trade. O câmbio nominal oscilou em torno de R$5,38-5,52 por dólar, indicando um real relativamente firme, apesar do ambiente global volátil. Os indicadores de risco soberano, medidos pelo CDS de 5 anos, permaneceram estáveis na faixa de 135 a 146 pontos-base, sugerindo percepção moderada de risco por parte dos investidores. O fluxo cambial financeiro manteve-se positivo, compensando o déficit em transações correntes. Do ponto de vista teórico, a Paridade Descoberta de Juros não se confirmou no curto prazo, uma vez que o elevado diferencial não foi acompanhado por uma depreciação cambial proporcional. O Conjunto dos dados indica que a estabilidade recente do câmbio esteve ancorada mais em fluxos financeiros e percepção de risco do que em fundamentos de longo prazo.
O modelo teórico da Paridade Descoberta de Juros afirma que, na ausência de arbitragem, o retorno esperado de aplicar em ativos domésticos deve ser igual ao retorno esperado de aplicar em ativos externos sem proteção cambial. Na forma básica tem-se:
Se o Brasil paga juros mais elevados, o real deve se depreciar no futuro, anulando o ganho extra do investidor estrangeiro. Ou seja, a lógica econômica decorre da arbitragem financeira internacional. O comportamento esperado do investidor, ao aplicar em reais ou em dólares, parte da premissa de que, se o juro brasileiro é maior, investidores migram para o Brasil e o fluxo aprecia o real no presente, contudo, o mercado antecipa uma depreciação futura e, por sua vez, essa depreciação esperada elimina o ganho adicional proporcionado pelo diferencial de juros. Caso o modelo funcione plenamente, o resultado líquido é a inexistência de lucro sistemático em carry trade, em média. A Paridade Descoberta é, portanto, expectacional e depende das crenças e do risco - envolve expectativas, risco cambial e a inexistência de contratos que “amarrem” o retorno). Em outras palavras, juros elevados não representam “almoço grátis”: o mercado interpreta essa remuneração como compensação por risco ou por depreciação futura da moeda. Na prática, expectativas, prêmio de risco e fluxos financeiros impedem que essa condição se cumpra continuamente, resultando na persistência do carry trade e na fragilidade empírica da Condição Paridade Descoberta de Juros.
Admitindo o modelo econométrico simples e inicial:
Estima-se uma regressão em nível para avaliar a relação entre a taxa de câmbio nominal e o diferencial de juros entre o Brasil (Selic) e os Estados Unidos (T-bill). Os resultados indicam que um aumento de 1 ponto percentual no diferencial de juros está associado a uma apreciação cambial de aproximadamente 7 centavos por dólar. O Coeficiente estimado é estatisticamente significativo, com sinal compatível com a Paridade Descoberta de Juros tradicional. Apesar disso, o poder explicativo do modelo é limitado, sugerindo que o diferencial de juros, isoladamente, não captura toda a dinâmica cambial. Esse exercício é importante por fornecer um benchmark teórico simples, a partir do qual podemos evoluir para especificações mais completas. Em particular, a inclusão de medidas de risco-pais e expectativas tende a refinar a análise. Assim, este primeiro resultado abre caminho para modelos mais realistas e aderente à experiência brasileira.
A inclusão do EMBI no modelo de Paridade Descoberta de Juros aumenta o poder explicativo da regressão e altera de forma relevante a magnitude dos coeficientes. O diferencial de juros mantém sinal negativo e significância estatística, indicando apreciação cambial associada a juros domésticos mais elevados. O EMBI surge com coeficiente positivo e significativo, confirmando o papel do risco-país na determinação do câmbio. Em termos econômicos, aumentos do risco soberano pressionam o câmbio para cima, enquanto o efeito do diferencial de juros torna-se mais forte quando o risco é controlado. O resultado reforça que a Paridade Descoberta de Juros só ganha aderência empírica quando se incorpora explicitamente o prêmio de risco: um aumento de 100 pontos no EMBI implica uma depreciação de R$ 0,16 no câmbio e um aumento de 1p.p. no diferencial implica em uma apreciação de cerca de R$ 0,13.
O recente rearranjo do mercado cambial brasileiro ocorreu em um contexto de diferencial de juros historicamente elevado entre Brasil e Estados Unidos, reforçando fluxos financeiros e estratégias de carry trade. Do Ponto de vista teórico, a Paridade Descoberta de Juros estabelece que ganhos decorrentes de juros mais altos devem ser compensados por depreciação cambial esperada. A evidência empírica inicial, estimada em nível, em linha com a intuição teórica básica, ainda que com poder explicativo limitado. Ao incorporar o risco-país, medido pelo EMBI, o modelo ganha capacidade explicativa e revela a importância do prêmio de risco na dinâmica cambial. O diferencial de juros mantém sinal negativo e significância estatística, enquanto o risco soberano exerce pressão depreciativa sobre o cambio. Os resultados mostram que a Condição Descoberta não opera de forma mecânica em economias emergentes, dependendo criticamente de expectativas e percepção de risco. Assim, a estabilidade cambial recente esteve menos ancorada em fundamentos reais e mais em fluxos financeiros e credibilidade macroeconômica. O exercício evidencia a necessidade de modelos ampliados para compreender a experiência brasileira.

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