O Custo da Defasagem: Por que a Selic Reage Lentamente aos Fundamentos?
Prof. Sinézio Fernandes Maia
7/12/2025 – 9h00
A discussão recente sobre a condução da política monetária no Brasil tem girado em torno do descompasso entre a Selic e os parâmetros sugeridos pela Regra de Taylor - tema central do 4º Seminário MacroLab da FGV, que reuniu acadêmicos, analistas e o diretor de Política Econômica do BC para debater o juro neutro, o hiato do produto e a trajetória da inflação. O sentimento predominante no encontro foi o de que a Selic permanece em terreno nitidamente contracionista, acima do juro neutro estimado e também acima do patamar sugerido pelos modelos de reação do BC. Relatórios como o da Porto Asset reforçam essa leitura ao mostrar que a regra já indicaria possibilidade de flexibilização futura, enquanto o Valor Econômico destaca que a taxa de equilíbrio estaria abaixo dos 15% atuais. O Relatório de Estabilidade Financeira do BC confirma que, sob diferentes cenários, a Regra de Taylor continua servindo como guia para calibração da Selic, ainda que sujeita a choques fiscais e externos. A imprensa, como exemplificado pela Carta Capital, critica a persistência de juros elevados mesmo com hiato negativo e inflação em desaceleração. No conjunto, o debate converge para a mesma conclusão: a política monetária continua deliberadamente restritiva, mas a dinâmica do hiato do produto, das expectativas e da inflação abre espaço para discutir um ciclo de flexibilização.
Os principais dados recentes para a exploração econométrica do modelo sugerem que a inflação (IPCA – variação acumulada 12 meses) atingiu 4,68% até outubro de 2025, enquanto a inflação mensal registrou 0,09%. Como a meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional para 2025 permanece em 3,00% ao ano, com intervalo de tolerância de ±1,5p.p. (1,5%-4,5%), observa-se que as expectativas se aproximam do teto da meta. Por outro lado, a taxa Selic está estacionada em 15% a.a. projetando uma taxa de juros real ex post próximo de 10%, - uma taxa real altamente positiva, coerente com um regime monetário bastante contracionista. A revisão do crescimento do PIB para 2025 aponta para 2,0% (revisão de setembro), enquanto as projeções de crescimento real para 2026 situa-se na mediana de 1,78%. No que se refere à atividade econômica, o hiato do produto (gap entre PIB real e o PIB potencial, não observável diretamente) indica sinal positivo, acima dos valores de 2024. Entretanto, a medição do hiato depende do método utilizado, implicando alguma incerteza no cálculo exato do hiato real/potencial. Quanto o produto se encontra acima do potencial, tende, em teoria, a gerar pressão inflacionária, justificando uma política monetária mais restritiva pelo “trade-off” da Regra. As atenções também se voltam à estimativa da “taxa de juro neutra”, igualmente dependente do modelo de cálculo, mas que pode correlacionar com o hiato do produto e pressionar a Selic para níveis estruturalmente elevados. Por fim, o fato de a inflação estar próxima do topo da banda, somado às estimativas de PIB e hiato positivos, sugere que o BC provavelmente manterá a Selic elevada até que haja sinais claros de convergência da inflação para a meta e estabilização do hiato.
Assim, o uso da Regra de Taylor exige também uma estimativa de juro neutro real, componente não diretamente observável. A diferença entre a Selic real e esse juro neutro determinará o grau de “aperto” ou “afrouxamento” monetário esperado. Para isso observamos o escopo das abordagens da Regra de Taylor:
Regra de Taylor tradicional (backward-looking)
Regra de Taylor com expectativas forward-looking
Regra de Taylor com suavização de juros
O primeiro modelo, tradicional, considera que a taxa de juros reage ao desvio da inflação corrente em relação à meta e ao hiato do produto. Quando a inflação sobe acima da meta, a regra sugere aumento da Selic. Quanto o hiato é positivo (economia aquecida), a Selic tende a subir. Já o segundo modelo, com expectativas, a política monetária reage à inflação esperada para os próximos 12 meses, não apenas à inflação corrente. Essa abordagem incorpora a credibilidade do Banco Central e a dinâmica das expectativas. Se as expectativas sobem acima da meta, a Selic deve subir imediatamente - e o hiato continha como componente de pressão da demanda. No terceiro modelo, com suavização de juros, inclui-se a Selic defasada, refletindo o ajuste gradual utilizado pelo BC (alto coeficiente de inércia). A taxa corrente resulta da combinação entre a Selic passada e a regra tradicional. A suavização evita movimentos bruscos e melhora a estabilidade macroeconômica; assim, o impacto da inflação e do hiato é reduzido no curto prazo, mas permanece no longo prazo.
Com a base de dados de janeiro de 2003 a outubro de 2025, obtemos os seguintes resultados
Parâmetro | Tradicional | Expectativa | Suavização Juros |
Constante | 9,85 | 9,91 | 0,29 |
Desvio | 0,8966 | 2,0517 | 0,2041 |
Hiato | 0,0000015139 | -0,0000021911 | -0,0000001348 |
Selic defasada | |
| 0,9580 |
Os resultados sugerem que, no modelo tradicional, a sensibilidade da Selic ao desvio da inflação é forte e próxima de 1, alinhando-se ao padrão da literatura. O coeficiente do hiato é extremamente pequeno devido à escala da variável, medida em valores absolutos (diferença netre PIB real e PIB potencial) e não em termos percentuais. Assim, cada 100.000 unidades corresponde a 1% de hiato; logo, uma variação de 0,000001 x 100.000 implica cerca de 0,10% (10 pontos-base) na taxa Selic.
Já no modelo com expectativas, a reação do juro às expectativas inflacionárias é significativamente maior que 1, compatível com uma postura mais agressiva contra a inflação futura. No modelo com suavização de juros, o coeficiente da Selic defasada (0,958) corresponde exatamente ao padrão encontrado no Brasil: forte inércia e ajustes graduais. Os coeficientes da inflação e do hiato tornam-se pequenos porque a maior parte do movimento da taxa é explicada pela própria defasagem. A literatura aponta parâmetros similares: aproximadamente 0,87 no modelo tradicional, 2,08 no modelo com expectativas e 0,06 no modelo com suavização (com p = 0,96).
Quanto a atividade econômica, as estimativas mostram que, embora o coeficiente bruto do hiato pareça pequeno, quando ajustamos a unidade para pontos percentuais, observamos que a Regra de Taylor reage de forma coerente com os ciclos econômicos: cada 1 ponto percentual de hiato positivo eleva a Selic estimada entre 10 e 20 pontos-base nos modelos tradicional e forward-looking. Nos modelos com suavização, o impacto marginal cai para cerca de 2 pontos-base por 1% de hiato, refletindo a forte dependência da Selic em relação à sua própria defasagem.

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