Juros Alto, Primário Fraco: Por que a Trajetória da Dívida Continua Preocupando
Prof. Sinézio Fernandes Maia
29/11/2025 – 20h30
O Relatório Mensal da Dívida Pública Federal referente a outubro, divulgado em 27/11/2025 pelo Tesouro Nacional, indica que a Dívida Pública Federal (DFP) encerrou o mês em R$ 8,253 trilhões, um aumento de 1,62% em relação a setembro (quando estava em R$ 8.122 trilhões). Desse acréscimo, R$ 41,38 bilhões resultaram de emissão líquida de títulos, enquanto a apropriação de juros somou R$ 90,12 bilhões. A parcela interna da DFP, a Dívida Pública Mobiliária Federal interna, passou de R$ 7,820 trilhões para R$ 7,948 trilhões. O custo médio da dívida caiu marginalmente, de 12% a.a. em setembro para 11,90% a.a. em outubro. O prazo médio manteve-se praticamente estável, com vida média da DPF em 4,14 anos.
No panorama consolidado (governo central + Estados + municípios + estatais), os dados combinados do Banco Central do Brasil apontam superávit primário de R$ 32,4 bilhões em outubro. Contudo, os juros nominais atingiram R$ 113,9 bilhões no mês, produzindo déficit nominal de R$ 81,5 bilhões em outubro e acumulando R$ 1.014,9 trilhão em 12 meses - cerca de 8% do PIB. A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) alcançou 78,6% do PIB (aproximadamente R$ 9,9 trilhões) enquanto a (DLSP) atingiu 65% do PIB (R$ 8,1 trilhões) com alta de 0,2 p.p. no mês. Em relação às estatais, o relatório registra déficit de R$ 149 milhões em outubro. Embora modesto, esse valor contribui para o déficit nominal e reforça a importância de considerar o desempenho das empresas públicas na avaliação da sustentabilidade fiscal.
Em síntese, o relatório mostra que a dívida federal continua crescendo, impulsionada por juros e emissões, apesar do superávit primário pontual. A persistência de juros elevados, da expansão da DBGG e da DLSP sugere que a trajetória da dívida permanece frágil no médio prazo, sobretudo se o esforço primário não se mantiver consistente e se as chamadas “partidas extraordinárias” (inclusive das estatais) persistirem.
A sustentabilidade da dívida exige que o governo satisfaça a restrição orçamentária intertemporal, segundo a qual o valor presente dos superávits primários futuros dever igualar ao estoque atual da dívida. No modelo padrão, a dinâmica segue:
,
onde dt é a dívida/PIB, rt o custo médio da dívida, gt o crescimento nominal do PIB e pbt o superávit primário/PIB. Se r > g, a dívida tende a crescer explosivamente a menos que o governo gere superávits suficientes; se g > r, déficits moderados podem ser sustentáveis. A condição-chave é que a dívida não cresça mais rápido do que a economia, o que corresponde à convergência do termo explosivo (r-g). Em Sargent & Wallace, o ajuste fiscal é obrigatório para evitar dominância fiscal e pressão inflacionária; em Ellery, investiga-se empiricamente se o governo reage à dívida via função de reação, isto é, se os superávits aumentam quando a dívida cresce, assegurando sustentabilidade.
Sob a ótica da estatística descritiva, a dívida bruta apresentou média de R$ 4.377.917 tri entre 2003 e 2025, com desvio-padrão de R$ 2.894.058 tri. O resultado primário teve média negativa de R$-16.915 bilhões no período. A despesa com juros (NFSP Juros) apresentou média de R$ -339.636 bilhões, enquanto o estoque da moeda (M2) cresceu, em média, R$ 2.423.698 trilhões. As taxas médias mensais de crescimento foram: dívida (0,84%), juros (0,77%), e moeda (1,07%).
Do ponto de vista econométrico, o ponto de partida é a restrição orçamentária intertemporal, segundo a qual o estoque da dívida deve ser igual ao valor presente dos superávits primários futuros, garantindo solvência. A dinâmica básica segue:
onde Gt – Tt é o déficit primário. A condição de transversalidade impede jogos de Ponzi:
Em termos de PIB, segundo Ellery, a dinâmica é:
mostrando que o crescimento da dívida depende de (r-g) e do esforço fiscal primário. Dessa equação deriva o problema central: qual o superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB, dado (r-g)? Essa estrutura fundamenta os testes econométricos de sustentabilidade, como estacionariedade da dívida ou função de reação fiscal.
Com base nas observações de janeiro/ 2003 a outubro/ 2025 (n=274), estimou-se o modelo econométrico:
via MQO com correção Newey-West. Os parâmetros estimados foram:
O coeficiente b1 < 0 indica que superávits primários maiores estão associados a redução da dívida, conforme previsto pela teoria. O coeficiente b2 < 0 também é coerente com a convenção da série de juros: valores mais negativos (maiores despesas) elevam a dívida. No conjunto, os resultados são consistentes com a dinâmica fiscal brasileira.
O conjunto das evidências confirma que a trajetória recente da dívida pública segue pressionada pelos juros nominais e pela necessidade contínua de financiamento, mesmo diante de superávits primários pontuais. A análise teórica e empírica converge para a mesma conclusão: a sustentabilidade fiscal exige que o resultado primário reaja sistematicamente ao crescimento da dívida, conciliando juros, crescimento econômico e esforço fiscal. Os resultados econométricos – em linha com o modelo da restrição intertemporal – reforçam que ajustes no primário são essenciais para conter a elevação do endividamento. Em síntese, os dados de 2003-2025 mostram que a dívida pública brasileira permanece vulnerável e dependerá de disciplina fiscal contínua para assegurar uma trajetória sustentável no médio prazo.

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