Texto: Amanda Seixas Diniz, Bruno Henrick Silva Neves e Sinézio
Fernandes Maia
Milton Friedman, Nobel de Economia de
1976, foi um dos principais expoentes da Teoria Monetarista. Professor da Universidade
de Chicago, Friedman é considerado um dos economistas mais influentes do século
XX. Autor dos livros Capitalismo e Liberdade
e Livres para Escolher, ele foi
reconhecido como um grande defensor do liberalismo econômico. Suas obras se
estendem por outros campos da teoria econômica, como, por exemplo, seu artigo
em conjunto com L. J. Savage, The Utility
Analysis of Choices Involving Risk, de 1948, onde os autores descrevem o
comportamento humano nas decisões sob incerteza. Em The Metodology of Positive Economics (1953), por sua vez, o autor
preocupa-se com questões metodológicas que envolvem o processo de aceitação de
uma hipótese ou teoria, sendo o objetivo do presente artigo apresentar as suas
principais proposições.
Partindo da citação de John Neville
Keynes, Friedman (1953) define a economia positiva como aquela que está
relacionada ao que é, diferentemente da economia normativa, a qual envolve
critérios associados ao que deveria ser. O autor admite uma relação entre ambas,
tendo em vista que as previsões obtidas ela economia positiva tenham efeitos
sobre as decisões da economia normativa para alcançar determinado objetivo. Vale
ressaltar que a economia positiva não deve estar embasada por qualquer juízo de
valor ou posição ética, sendo seu objetivo provar que um conjunto de
sistematizações seja capaz de efetuar previsões corretas acerca das
consequências de determinada mudança nas circunstâncias.
Para ilustrar tal proposição, o autor
traz como exemplo o caso dos salários mínimos nos Estados Unidos, em que duas
pessoas podem concordar com as previsões das consequências da implantação de
tal lei. Entretanto, cada uma pode julgar como aceitável ou não tais
consequências. Segundo Friedman (1953), se houver um acordo em torno dos
objetivos, ter-se-á uma grande evolução em direção ao consenso. Com isso, o
autor conclui que esse consenso acerca das diretrizes econômicas corretas diz
mais respeito à evolução da economia positiva do que da economia normativa,
tendo em vista que a primeira conduzirá a previsões mais precisas.
O objetivo último da economia positiva é
produzir uma teoria ou uma hipótese que seja capaz de produzir previsões válidas
e significantes acerca de fenômenos ainda não observados. Uma teoria em si é
composta por dois elementos que, segundo Friedman (1953), estão relacionados de
forma complexa: uma linguagem e, um corpo de hipóteses. Enquanto linguagem, uma
teoria serve para sistematizar e organizar um conjunto de material empírico, de
modo a simplificar a sua compreensão. Somente a lógica formal poderá provar se
determinada linguagem de uma teoria é a mais adequada e coerente. Um exemplo é
o caso da teoria econômica da oferta e da procura, em que são efetuadas
generalizações acerca dos fatores que influenciam esses dois elementos, como
forma de facilitar a compreensão dos movimentos dos preços relativos dos produtos
e dos fatores de produção (FRIEDMAN, 1953).
Sob o ponto de vista de um corpo de
hipóteses, a teoria será julgada pelo seu poder preditivo, relativamente quanto
aos fenômenos que ela pretende explicar. Isto quer dizer que somente a
evidência factual será capaz de provar se uma teoria está correta ou não.
Entretanto, vale ressaltar que tal evidência jamais prova uma hipótese. Nesse
sentido, Friedman (1953) propõe o teste de uma teoria por meio de uma espécie
de backward-looking, em que a validade
da previsão gerada por um corpo de hipóteses será testada a partir de fenômenos
que já ocorreram.
Friedman (1953) ressalta também que a
validade de uma hipótese não deve ser, por si só, um critério de escolha entre
as demais hipóteses existentes, pois sempre haverá um número finito de
fenômenos observados, mas uma quantidade infinita de hipóteses compatíveis com
cada um deles. Nesse caso, o autor elenca como relevante os critérios da
simplicidade e da fecundidade. O critério da simplicidade diz respeito à capacidade
de determinada teoria gerar previsões com o menor número de conhecimentos
iniciais possíveis; enquanto o critério da fecundidade está relacionado à
precisão das previsões, levando em consideração a amplitude a área daquela
teoria, bem como, a sua vasta quantidade de linhas de pesquisa.
De acordo com Friedman (1953), a grande
dificuldade de testar a validade das hipóteses está relacionada ao fato de que,
diferentemente da Física, por exemplo, nas ciências sociais não existe a
possibilidade de efetuar experimentos controlados, cabendo ao cientista confiar
nas evidências empíricas. Além disso, tais evidências são bem mais difíceis de
serem interpretadas, por se apresentarem de forma indireta, incompleta e
complexa. A consequência dessa dificuldade é a fuga dos testes para os campos
das análises puramente formais e tautológicas. Todavia, a teoria econômica deve
ser mais do que tautologias, deve-se predizer intuitivamente as consequências
das ações dos indivíduos, sendo mais do que “matemática disfarçada” (FRIEDMAN,
1953).
O efeito mais sério da dificuldade de
testar hipóteses, segundo Friedman (1953), diz respeito ao surgimento de
mal-entendidos quanto ao papel da evidência empírica na teoria. Neste sentido,
ele propõe que os fatos deduzidos digam respeito somente à classe de fenômenos
que a hipótese busca explicar. Segundo o autor, tal dificuldade torna tentadora
a ideia de que as hipóteses consistem mais do que em implicações, mas em
pressupostos, admitindo que estas venham ser testadas com base em seu “realismo”.
A consequência disso é o debate sobre questões irrelevantes sob o ponto de vista
teórico.
Para demonstrar a questão do “realismo”
dos pressupostos, Friedman (1953) utiliza como exemplo a lei da queda dos
corpos. A hipótese do modelo admite que a aceleração g, de um corpo que cai no vácuo,
é constante, independente de sua forma, ou da maneira como cai, com um valor
aproximado de 9,8 m/s. Tal hipótese implica que a distância percorrida pelo corpo
em queda livre será dada pela fórmula s=(1/2)gt2. De acordo com o
autor, a teoria é acolhida pelo fato de, na maioria dos casos, os corpos se comportam
como previstos pela fórmula, independente do formato do corpo, da presença ou
não do vácuo, ou da forma como foram lançados. Com isso, os pressupostos de uma
teoria servem para especificar, e não determinar, as circunstâncias em que a
teoria funciona, indicando a magnitude com que os erros se apresentam em suas
previsões.
Outro exemplo mais claro acerca dos
testes das hipóteses, é o caso da densidade das folhas. Admite-se, incialmente,
que as folhas são maximizadoras de luz solar recebida, implicando que elas possam
se mover em sua direção, apresentando-se com maior densidade no lado em que
recebe mais luz. As implicações da hipótese apresentada podem ser verificadas
na prática. Entretanto, isso não quer dizer que as folhas realmente façam isso,
tendo em vista que elas não apresentam comportamento racional. Segundo Friedman
(1953), vale ressaltar também que outras hipóteses podem implicar no mesmo
conjunto de fatos, inclusive, sendo mais plausíveis do que a das folhas
maximizadoras.
No campo da teoria econômica, Friedman
(1953) o exemplo do empresário maximizador de lucros. Admite-se por hipóteses
que o agente tenha conhecimento de todas as informações de custos e rendimentos
marginais de sua produção. Na prática, sabe-se que o empresário não toma decisões
com base em cálculos matemáticos complexos como proposto pela hipótese.
Entretanto, as previsões obtidas pelas implicações das hipóteses são
compatíveis com a realidade, sendo o aspecto relevante como critério de teste,
ao invés do seu realismo.
Friedman (1953) admite que os
pressupostos foram tratados de forma negativa até então em seu texto, tendo em
vista as ambiguidades em seu conceito. Neste sentido, o autor elenca quais são
os seus papéis em uma teoria. A primeira função apresentada por Friedman (1953)
é a de que os pressupostos servem para descrever e apresentar uma teoria. Isto
quer dizer que uma hipótese consiste em uma espécie de filtro do que é
essencial para a classe de fenômenos que a teoria pretende explicar. Desta
forma, o modelo torna-se uma representação do mundo real, contendo apenas as
forças que as hipóteses consideram como importantes. O modelo consiste em uma
matemática, ou uma lógica, que se presta em verificar a sua completude e
coerência, bem como, explorar suas consequências, não existindo espaços para “talvez”
– como, por exemplo, a pressão do ar no vácuo é zero, não “pequena”.
Outra função dos pressupostos é o seu uso
como teste indireto de uma teoria. Friedman (1953) afirma que, no momento da
elaboração de uma hipótese, é difícil distinguir os enunciados que correspondem
aos pressupostos dos que estão relacionados às implicações, estando a diferença
no modo em que são empregadas. Para exemplificar, o autor considera uma
proposição particular da teoria do comportamento oligopolista. Admitindo que
(a) os empresários maximizam seus rendimentos por meio de qualquer estratégia,
inclusive ampliando seu poder monopolista, isto acarreta que (b) os empresários
tendem a fixar sistemas de preços de ponto-de-referência, quando a demanda
pelos seus produtos é geograficamente instável, os cartéis são proibidos, o
custo de transporte é apreciável e, o número de produtores é relativamente
pequeno. Nesse caso, tem-se que a afirmativa (a) é um pressuposto, enquanto a
afirmativa (b) é uma implicação, pois, aceita-se que a análise está sendo feita
com o objetivo de prever o comportamento do mercado. Considerando,
posteriormente, que o objetivo seja verificar a possibilidade de instaurar uma
lei de antitruste, admitindo que (c) o apreçamento de ponto-de-referência é um
artifício deliberado, com o objetivo de facilitar a colusão. Nas condições
indicadas em (b), isso implicará que (d) os empresários participarão de
esquemas fraudulentos de apreçamento de ponto-de-referência. Agora, o que era
um pressuposto em um caso, passa a ser uma hipótese nesse último. Com isso, à
medida que os pressupostos possam ver-se como implicação de uma hipótese, estes
servem para fornecer alguma evidência indireta relativa à aceitabilidade da
hipótese.
Tais questões metodológicas abstratas tem reflexos
diretos sobre as críticas efetuadas contra a teoria econômica ortodoxa, pelo “não-realismo”
de seus pressupostos. Friedman (1953) cita críticas que consideram a Economia como
uma ciência desoladora, a qual admite um homem egoísta e ávido por dinheiro,
calculista, que vive como se fosse desejoso por felicidade, sob o impulso de
estímulos que o empurram de um lado para outro, mas permanece intacto. De
acordo com o autor, críticas desse tipo são mais ou menos inócuas, as quais não
são seguidas por suplementações que contornem o objeto de crítica, e que
conduzam a previsões melhores. Exemplo comum é dado pelas críticas à hipótese
de maximização de rendimentos, as quais são baseadas no fato de que os homens
de negócio não agem e nem podem agir assim. Segundo Friedman (1953), qualquer
tentativa de contornar essa espécie de "realismo" está fadada a tornar inútil a
teoria que se elabore, sendo a teoria realista uma ideia ilusória.
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