segunda-feira, 3 de novembro de 2025

 



Cenário Fiscal e Sustentabilidade da Dívida Pública

Prof. Sinézio Fernandes Maia

03/11/2025 – 11h37

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A divulgação das Estatísticas Fiscais de agosto confirmou que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) permaneceu em 77,5% do PIB, refletindo, sobretudo, os impactos dos juros nominais elevados sobre a trajetória do endividamento. O Tesouro Nacional, em seu Relatório Mensal da Dívida, destacou o custo médio acima de 11% ao ano, reforçando a sensibilidade do perfil da dívida às oscilações da Selic e a necessidade de alongamento dos prazos de vencimento. 

No campo institucional, a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, publicou a Nota Técnica 60, apontando que a sustentabilidade fiscal exige um ajuste estrutural de receita e despesas para conter o avanço da dívida nos próximos anos. O Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de outubro reiterou o alerta quanto ao risco de descumprimento da meta primária e às decisões orçamentárias em tramitação no Congresso. 

Apesar do quadro desafiador, o Governo Central revisou para cima a projeção de resultado primário, estimando o déficit menor - ainda que negativo. Por fim, o Relatório de Garantias Honradas (RMGH) revelou aumento das responsabilidades da União com Estados e Municípios, ampliando os riscos contingentes e pressionando o passivo público total. O conjunto dessas informações reforça a percepção de que o ajuste fiscal de 2025-2026 dependerá fortemente do controle do gasto e da recomposição estrutural da receita. 

Os indicadores fiscais recentes evidenciam o dilema da política econômica brasileira entre a necessidade de ajuste estrutural e a persistência de juros reais elevados. A Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) alcançou 64,2% do PIB, enquanto a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) atingiu 77,5%, ambas em trajetória ascendente com reflexo de déficits recorrentes e elevado custo financeiro. O Resultado Primário de –0,9% do PIB e o Resultado Nominal de –6,2% evidenciam a insuficiência do resultado corrente para compensar o diferencial entre juros reais e crescimento econômico — condição que, segundo a equação de Domar, compromete a sustentabilidade da dívida quando r > g. Nesse contexto, o superávit primário requerido de 1,3% do PIB, estimado pelo próprio Banco Central, torna-se referência mínima para a estabilização fiscal. 

A taxa média implícita da dívida, de 11,5% a.a., mantém o efeito “bola de neve”, ampliando o peso dos juros nominais (7,1% do PIB) sobre o orçamento. Sob a ótica keynesiana, a política fiscal expansionista perde eficácia diante da dominância da política monetária; já sob a visão clássica, reforça-se a urgência de disciplina orçamentária para restaurar credibilidade e ancorar expectativas de longo prazo.

Do ponto de vista teórico, a política fiscal brasileira enfrenta um paradoxo: a dívida cresce mesmo com relativa estabilização nominal, dado que r > g (juros reais acima do crescimento do PIB). A sustentabilidade, segundo Domar, requer que 


                                                

 

Ou seja,  


                                                               


Quando r > g e RP < 0, a dívida cresce indefinidamente. Em 2025, o Brasil apresenta juros reais próximos de 6%, enquanto o crescimento do PIB gira em torno de 2,3%, o que implica, inevitavelmente, a necessidade de superávit primário da ordem de 1,3% do PIB apenas para estabilizar a DBGG. O cenário de política fiscal – marcado pelo aumento do gasto discricionário e pelo anúncio de um pacote fiscal de R$100 bi para 2026 - eleva a percepção de risco, encurta o prazo médio da dívida e pressiona o custo de financiamento. A reação dos juros futuros indica que o mercado precifica uma Selic estruturalmente mais elevada, refletindo deterioração da âncora fiscal. 

No ciclo recente (2020–2025), diante da pandemia, dos juros reais elevados e da incerteza fiscal, o Tesouro ampliou a emissão de títulos pós-fixadas (LFTs) para mitigar risco de rolagem. O mix atual apresenta aproximadamente 35–40% prefixados, 30–35% indexados ao IPCA, cerca de 25% pós-fixados (Selic) e menos de 3% cambiais, com prazo médio ao redor de 4 anos – uma estratégia que reduziu a sensibilidade ao câmbio e à política monetária, mas manteve desafios de equilíbrio entre custo, risco e liquidez em um ambiente de juros estruturalmente altos.

Sob a perspectiva teórica, o perfil da dívida influencia diretamente a sustentabilidade fiscal e a eficácia da política monetária. Dívidas predominantemente pós-fixadas reduzem o risco de rolagem, porém ampliam o pass-throughdos juros para o gasto público, fragilizando o controle da dívida quando r > g Já a maior participação de títulos prefixados e indexados à inflação tende a alongar o horizonte fiscal e estabilizar o custo médio, embora possa exigir prêmios maiores dos investidores diante de incertezas inflacionárias e risco-país. Assim, a composição ótima do portfólio da dívida é endógena à credibilidade fiscal: quanto maior a confiança nas regras e metas fiscais, maior a disposição dos investidores em financiar o governo a prazos mais longos e taxas menores — condição essencial para que a política monetária opere com eficácia e para que a dívida permaneça sustentável no longo prazo.

Em síntese, a sustentabilidade da dívida pública brasileira permanece condicionada à relação entre juros reais (r), crescimento econômico (g) e resultado primário (RP). Com r > g em 2025, a estabilização da DBGG requer superávits primários persistentes e um perfil da dívida menos sensível à Selic. A pressão dos juros nominais sobre a trajetória da dívida desde 2023 segue como principal vetor de alta, segundo o Banco Central. Medidas que ampliem o prazo médio e aumentem a participação de títulos prefixada e indexados ao IPCA tendem a reduzir a elasticidade do custo da dívida ao ciclo monetário, fortalecendo a estratégia de sustentabilidade no médio e longo prazo.




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